Daqui àqui (prólogo ao caderno de crônicas e itinerários)

"Se calarem a voz do profetas,
as pedras falarão.
Se fecharem os poucos caminhos,
mil trilhas nascerão."

    Resolvi agora começar com este caderno de crônicas. Novíssimo: nunca antes tinha escrito por aqui, é a primeira vez.
    No rol das resoluções, resolvi reformular também minha vida (com o vago intuito de conseguir novas histórias). Sempre que paro e penso sobre esta má vida e este pobre destino, a única coisa que me vem é: mudar, é preciso mudança. Pois então que vamos. Sempre tento mudar. Mudo por um período de tempo e quando me vejo já estou novamente com minhocas na cabeça e a vida toda enrolada. Mas desta vez já é questão de honra; e de cansaço.
     Já é tempo bom de por fim às histórias inacabadas; já é bom de despertar e escutar o que estão dizendo; já é bom de viver uma vida que seja vida. Já é bom de desejar coisas novas.
    Preciso me decidir e decidir que caminho tomar, agora que resolvi enveredar por estas trilhas americanas. Já é hora para fazer todas as escolhas, para correr junto com o tempo e chegar a algum lugar, nem que seja à margem da vida, à fronteira do mundo, ou à morada do vento.

A Queda ( II )

    Enquando dormia, sonhava. E estava no céu, junto aos astros, meus irmãos. Havia ainda a escuridão, mas já desde o Sol, nos chegava um pouco de luz. Tudo que existia, apenas pairava, suspenso, incompleto, um pouco ainda vagamente vazio.
    Foi quando algo dentro de mim despertou. E era impossível não sentir o cheiro ocre de sua respiração. E vieram até nós as estrelas. E quiseram me violar, tirar mim aquilo que agora era. Lutei contra minhas próprias irmãs. Durante a discussão, tropecei e caí do céu.
     Quando despertei, estava em um campo de flores, lírios, todo vermelho, amarelo e laranja; e com o Sol quente do meio dia, em uma profusão de ondas de calor que me deixavam entorpecido. Depois que consegui me equilibrar sobre meus pés, senti que estava vagamente obrigado a viver.

A QUEDA ( I )

"Luché contra
las estrellas
y
me caí
del cielo.
Ahora estoy
obligado a vivir."

                                                                           
    Um pequeno animal, um escorpião, veio até junto de mim enquanto eu dormia, uma vez. Com seu veneno, me envenenou. Senti a vida dentro de mim morrer e desaparecer, como se não houvesse nem resitência em permanecer. De minha parte, igualmente, quando senti que morria, fiquei parado, a observar o teto. A vida morreu, como nada mais restou de mim, fechei os olhos.
    Quando acordo, a luz do dia que amanhece faz calor à pequena flor, nova vida, que desabrocha dentro de mim. Frágil, balança à leve brisa. Me alegro. Ainda assim, sinto que "a verdadeira vida não está aqui" (Rimbaud).